quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Um (novo) fim para o entulho na cidade de São Paulo


A cidade de São Paulo é o exemplo clássico de espaço demolido e reconstruído, todavia sem manter qualquer memória do que ali já existiu. O raciocínio desenvolvido pelo sistema econômico é o de que o tempo é a variável que torna ou não um empreendimento rentável. É muito mais rentável destruir um quarteirão todo com retroescavadeira em dois dias e enviar todo esse RCD para um aterro do que uma mão de obra e maquinário que desconstrua estas construções com inteligência e recicle seus materiais.

A questão é paga-se para criar agregados a partir da demolição, paga-se também para descartá-los em um local adequado (ou paga-se ambientalmente com o descarte irregular) e então paga-se mais uma vez para trazer de alguma pedreira sacos de brita em tamanhos específicos para o emprego na nova construção. Afinal de contas, ao falar de RCD, estamos tratando de resíduos cerâmicos e de concreto, grosso modo: pedras. Porque jogamos pedras fora, pagamos por isso, e depois compramos mais pedras numa loja para construir novamente?
Em muitas partes do mundo a reciclagem de agregados gerados a partir da demolição é algo comum. No Brasil, mesmo que comum no âmbito da pavimentação de vias, ignora-se um enorme potencial estético desta tecnologia pouco difundida. E este potencial já foi apresentado ao mundo: em 2019 o Archdaily postou, em parceria com a revista Metropolis, um artigo sobre uma jovem arquiteta francesa chamada Anna Saint Pierre. A arquiteta desenvolveu em Paris um projeto denominado de Granito, que se resume em reapropriar os resíduos de prédios históricos da cidade em placas de revestimento com acabamento próximo ao das pedras calcárias de granito, reutilizando o resíduo como potencial estético. Um novo “fim” para o entulho nada mais é do que um recomeço. Um recomeço no raciocínio vigente de descartar tudo que é ultrapassado e importar para o terreno somente novos produtos, tecnologias e acabamentos, para “comprovar” que é uma nova construção tecnológica e interessantes. Já é sabido e certificado que RCD triturado pode ser empregado como agregado em misturas de concreto, atingindo resistências até estruturais para uma nova edificação. Não é necessário ir tão longe: no lugar de vigas, portais ou pilares, porque o cidadão não se atenta a escalas mais humanas e realidades mais terrestres, como mobiliários? E ainda, porque se contentar sabendo que o RCD está reutilizado dentro da mistura, porém não poder vê-lo? Por que não transformar o causador do problema do abandono e deterioração de muitas áreas públicas de São Paulo pelo descarte irregular de entulho, em sua própria solução? Óbvio que a ampla difusão de um material com potencial para ser industrializado só vem sustentada por longos testes técnicos e estudos. E se pudéssemos mudar de baixo para cima? Das periferias para o centro? Da autoconstrução para a academia? O ponto de partida é claro: educação. E a forma mais fácil de se educar, relembrando as estratégias de Paulo Freire, é por meio da associação. Imagina-se que será muito mais simples educar uma população a não descartar o entulho numa praça abandonada próximo a sua casa se mostrar-lhes o que esse entulho pode se tornar. É necessário devolver às camadas populares o direito de agir, poética e criativamente, sobre o que antes era resíduo, mas pode se tornar recurso.
Para saber mais, Vale o Clique!
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Via: Archdaily Editora: Carolina Tomazoni Siniscarchio

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