terça-feira, 18 de agosto de 2020

A capital colonial

Ao comemorar 60 anos, Brasília tem a oportunidade de se inspirar nos movimentos antirracistas e anticoloniais que, mundo afora, têm contestado a monumentalidade da história oficial, para se confrontar com a memorialização do colonialismo em sua própria paisagem urbana. Ao invés de eventos comemorativos que reiteram histórias oficiais, celebrando a cidade como marco bandeirante da modernidade nacional, deveríamos fazer uma pausa – ademais imposta pela pandemia – para refletir sobre como certas memórias são eternizadas, enquanto outras são apagadas, e, então, traçar novas
cartografias memoriais no tecido urbano da capital.

Narrativas visuais comunicadas por meio de arquivos, da arte e da arquitetura devem ser desconstruídas e ressignificadas por um amplo debate com os mais diversos segmentos da sociedade, principalmente aqueles cujas memórias foram negligenciadas (e não monumentalizadas). Nesse sentido, não é suficiente promover “narrativas plurais” dos monumentos, pois não se trata de uma questão de diferentes

perspectivas sobre a história, mas sim de reparação histórica.

“Ergue-se a cruz no planalto”

“Escolhi a data de 3 de maio por me parecer a mais expressiva, já que recordava a missa mandada dizer por Pedro Álvares Cabral,” escreveu Juscelino Kubitschek em Porque Construí Brasília (Bloch, 1975) a respeito da missa celebrada em 1957 para marcar a fundação do canteiro de obras da nova capital federal. “As duas cerimônias se equivaliam em simbolismo.” Direto do Vaticano, o papa Pio XII enviou uma mensagem especial para marcar a ocasião, como informa a revista Brasília no 5, de maio de 1957: “No dia do aniversário da descoberta e da primeira missa nas terras de Santa Cruz, muito nos agrada que tão fausta data seja recordada com a celebração da primeira missa em Brasília.”

Marco histórico da construção da nova capital, a “Primeira Missa em Brasília” foi cuidadosamente arquitetada para evocar aquela celebrada em 1500 pela armada de Cabral na praia da Coroa Vermelha, no litoral sul da Bahia, cerimônia que marcou simbolicamente a tomada de posse dos territórios ameríndios pela coroa portuguesa. O intuito não era tanto reencenar o evento em si, mas uma imagem do evento, imortalizada na tela Primeira missa no Brasil, do pintor Victor Meirelles, de 1861. Na pintura, vemos uma grande cruz feita com troncos de árvores no primeiro plano da composição. Orando a seu redor, estão os colonizadores, e, no plano inferior da imagem, uma multidão indígena observa a cena com um misto de espanto, pavor e reverência. A natureza selvagem dos trópicos emoldura todo o conjunto.

Para atingir esse efeito pictórico, toda uma mise-en-scène foi criada no canteiro de obras de Brasília. Projetado por Oscar Niemeyer, o altar era rústico e minimalista, com estruturas de madeira e uma cobertura de lona tensionada, evocando o ambiente “primitivo” da conquista colonial – como um acampamento de tropeiros bandeirantes. Uma grande cruz de madeira erguia-se por cima da tenda, definindo um marco vertical contra o cerrado planaltino e demarcando a posse do território, como outrora fizeram os conquistadores europeus. Autoridades políticas, religiosas e militares de todas as regiões do Brasil estavam presentes, e, para completar a encenação, Kubitschek ordenou que a Força Aérea Brasileira trouxesse uma comitiva de cerca de 20 indígenas Karajá da ilha do Bananal. “Com seus traços e adornos característicos” – noticiou a revista Brasília, meio de propaganda oficial do governo, em maio de 1957 –, “constituíram a nota pitoresca da cerimônia.”

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Via ArchDaily

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