Diversas casas com fachadas de platibanda são observadas em espaços urbanos e rurais de sertões da Bahia. Muitas delas apresentam-se revestidas com módulos de porcelanato, gradis de ferro, além de portas e janelas metálicas. Esta recorrência pode ser entendida como um fato cultural: as construções aqui discutidas foram observadas em cidades, distritos e povoados localizados nos municípios de Monte Santo, Uauá e Curaçá no ano de 2019.
Estas casas parecem retomar um fazer específico, presentes em fachadas de platibandas de casas remanescentes. São edificações mais antigas, que aparecem em menor quantidade entre as diversas tipologias existentes. No lugar de materiais industrializados, são observadas composições plásticas moldadas ao longo das extensões. Em alto relevo, integram as superfícies dessas fachadas com formas geométricas, orgânicas, além de molduras nas aberturas das janelas, portas e nos limites do plano frontal.

As edificações produzidas recentemente trazem consigo a permanência da platibanda como prática popular na atividade da construção, que conserva uma intencionalidade plástica e visual. A fachada funciona enquanto corpo ativo, que passa a elaborar em si: 1) a atividade de uma indústria; 2) uma série de programas sociais que transformaram a possibilidade de consumo de classes populares; 3) a transformação do trabalho realizado sobre a fachada por parte de quem constrói. Em suma, negociam com diversos setores e instâncias simbólicas para acontecer.
No início da década de 2000, o setor da construção civil passava por uma situação de retração de investimentos federais, com um contingenciamento de 85%. José Carlos de Oliveira Lima, Presidente do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos de Cimento (Sinaprocim), sinalizou suas expectativas em relação às promessas colocadas por Luís Inácio Lula da Silva, então candidato à presidência da República, que propunha desenvolver o segmento através do investimento de 5,3 bilhões de reais para a construção e reformas de moradias. Subvertendo as expectativas, anos antes do grande investimento destinado ao Programa Minha Casa Minha Vida, lançado em 2009, os números indicavam prosperidade nas atividades da indústria da construção civil. Em 2008, a venda anual de materiais de construção totalizava 101,8 bilhões de reais, segundo o relatório da Associação Brasileira de Materiais de Construção (ABRAMAT), publicado em 2009.
A pobreza, no entanto, historicamente não pode ser encarada como uma realidade homogênea no extenso território nacional. Caio Prado Jr. retoma que país é marcado por sintomas históricos relacionados ao povoamento e interferências no espaço decorrentes dos processos de invasão, dominação, exploração e escravidão, vinculados a produção interna tanto no período colonial como nos que seguiram (SINGER, 2012). André Singer (2012) retoma que encontrava-se localizada nas regiões Norte e Nordeste grande parte do que se entende como subproletariado. Este grande grupo social vivia com baixíssimo padrão de consumo e sem oportunidades de ingresso formal no mercado nacional.
Estes fatores alinhavam-se dentro da principal bandeira petista, que almejava o crescimento econômico nacional por meio da redução da pobreza. Dessa forma, para além da expansão de um setor industrial e todo impacto estrutural que teria esta medida, foi necessário tornar apto enquanto consumidores o grande número de pessoas que viviam em situação de pobreza. Medidas de desenvolvimento regional, como a implantação de cisternas na região do semiárido brasileiro, a distribuição de renda por meio do Bolsa Família, e a ampliação do crédito foram responsáveis por transformar as possibilidades desta parte da população. A ampliação do crédito consignado, em 2005, gerou a “circulação de dezenas de milhões de reais”, quando o crédito marcava um crescimento de 80% desde o começo do mandato de Lula.
Não à toa, a ABRAMAT foi fundada em 2004. O órgão se autodefine “referência institucional na defesa dos interesses e da visão de um setor que, por sua profunda inserção na vida do país, reflete e expressa o próprio ritmo do progresso nacional” (ABRAMAT). Hoje, a associação possui um grande banco de dados técnicos articulados com setores acadêmicos ligados a esta cadeia produtiva. O investimento no setor e a possibilidade da absorção cotidiana das mercadorias por classes baixas para a atividade da construção popular e periférica passaram a ser uma realidade cotidiana e crescente. Não só pelas periferias dos centros urbanos, mas também por outras periferias regionais do país. As mudanças dentro das atividades de construção acompanharam a proporção dos investimentos federais nos setores industriais, espraiadas pelo território nacional. O Instituto de Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) passou a notar características físicas mais específicas de residências a partir do ano de 2010.
Torna-se, assim, notável a apropriação dos produtos industrializados que vieram a ser introduzidos na construção popular. As transformações em espaços urbanos passaram a não ser exclusivas dos grandes eixos econômicos do Sudeste e das capitais dos estados, onde existem maiores concentrações de fluxos econômicos.
Fotográfo: Pedro Levorin
VIA ARCHDAILY
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Editora: Maria Karolina Milhomen