segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

QUEM SALVOU QUEM?

Bráulio Vinícius Ferreira.
Arquiteto, professor e sobrevivente das bancas do TG.


O encerramento de um semestre letivo não é tarefa fácil, principalmente se ele vier recheado de bancas de trabalhos finais, nesse caso tanto faz, pode ser as de TG1 ou TG2. Outro dia fiz umas contas e me surpreendi com a quantidade de trabalhos que vamos avaliar. Preocupa-me o estresse que vivemos nas bancas de TG, especialmente a última banca. Neste semestre vivi mais uma situação atípica e quero relatar aqui as minhas impressões sobre o fato para não gerar, como no semestre anterior especulações de corredor.

Recebi um trabalho de TG2 realmente fraco. Representação ruim, pranchas ruins e o projeto ainda muito deficiente. Minhas observações para esta banca final eram todas neste sentido. Não quero ficar frisando os aspectos negativos do trabalho avaliado, mas quero tentar explicar a lição que aprendi.

Na banca da avaliação estava conosco um professor convidado experiente. Seu conhecimento no campo da arquitetura e urbanismo é incontestável, pois sua atuação não está limitada aos bancos acadêmicos, mas marcada por uma prática profissional constante e muito produtiva.

A primeira fala era do convidado, que ao abrir sua avaliação chamou a atenção para o aspecto positivo do trabalho: um texto primoroso, bem redigido e direto. Uma pesquisa para ser referência – argumentou o professor. Em seguida ele chamou a atenção para as algumas questões projetuais e passou a palavra para o restante da banca.

Pois bem a avaliação seguiu e a palavra foi passada. Relatei os pontos que julgava os mais “problemáticos”. Em seguida o outro professor fez sua avaliação. Quando a avaliação foi encerrada fiquei com a sensação de que a fala do professor convidado não indicaria uma reprovação, mas que o produto-projeto apresentado não estava no “nível” de um TG. O estudante aprovado com nota mínima passou e está apto a exercer a profissão de arquiteto e urbanista.

Encerrada a banca, falei – e como sempre falo demais – que o trabalho e seu respectivo autor foram “salvos” pelo professor convidado. Pois é como as paredes, e no caso da UEG aquele maldito vão escuro e cheio de divisórias, tem ouvidos o meu brilhante e estimulante depoimento havia então chegado aos ouvidos do estudante. Chateado com o que ouviu o autor do trabalho me procurou e disse-me que não havia gostado de ouvir que fora “salvo”. A conversa foi tensa e recheada de acusações - que agora livres da pressão da banca puderam ser francamente expostas pelo estudante. Naquela infeliz conversa afirmei novamente que o trabalho apresentado não estava bom, mas que seu texto realmente fora muito bem feito.

Lições que aprendi:
1. O elogio é sempre bem vindo, elogiar é um exercício e faz bem para quem recebe e para quem o faz. Fui extremamente marcado por elogios que recebi em minha formação.
2. Deveria me deter e discutir mais os pontos positivos do trabalho. Muitas vezes não conseguimos ver os pontos positivos do trabalho porque avaliamos procurando erros, e isso é ruim. É negativo demais.
3. A avaliação termina na sala da banca e não deve continuar nos corredores com comentários que podem ser interpretados fora do contexto.
4. Deveríamos rever as atribuições do TG e adequá-las às diretrizes curriculares. Se o estudante deve fazer um trabalho de acordo com as atribuições profissionais, deveríamos aceitar um trabalho puramente teórico? Temos a atribuição profissional garantida de pesquisa – qual é o produto que podemos avaliar? Complicado? Muito.
5. Quem salvou o estudante de uma reprovação foi o seu trabalho teórico e não o professor convidado.
6. Fui salvo de cometer mais uma injustiça, e de não perceber que outros aspectos positivos e produtivos do trabalho são importantes.

RACIOCÍNIO ESPACIAL

Bráulio Vinícius Ferreira.
Arquiteto, professor.

O Raciocínio Espacial
O Desenho Técnico fundamenta-se nos princípios conceituais da geometria descritiva que tem por objetivo representar figuras no espaço, a fim de estudar sua forma, sua dimensão e sua posição. Montenegro (2002) afirma que, para alcançar estes fins, a geometria descritiva utiliza um sistema de projeções elaborado por Gaspard Monge, também conhecido como sistema ortogonal, diédrico ou mongeano.

A geometria descritiva, segundo Montenegro (2002), é a base teórica de numerosas aplicações profissionais, que vão da Engenharia à Arquitetura, bem como o Desenho Industrial, a pintura, e a escultura. O estudo correto da geometria descritiva desenvolve a habilidade de imaginar objetos ou projetos no espaço, e não apenas a leitura ou a interpretação de um desenho. Algumas profissões, exigem a capacidade de pensamento e raciocínio em três dimensões. Sem este tipo de raciocínio, aliado à capacidade de transportá-lo para o desenho, é impraticável a criatividade, a inteligência para criação de coisas novas, esclarece o autor.

O raciocínio em três dimensões, o raciocínio espacial, é, portanto, uma das peculiaridades do Desenho Técnico. A capacidade de representação do que se imaginou no papel é um de seus objetivos, e deve ser desenvolvida para que se alcance pleno êxito na comunicação das idéias.
Ching (2001) afirma que na essência de todos os desenhos existe um processo interativo da visão, da imaginação e da representação das imagens. O ato de ver cria as imagens da realidade externa que os olhos abertos captam, o que possibilita a descoberta do mundo. Com os olhos fechados, a mente apresenta imagens da realidade interior, as memórias visuais de eventos passados ou projeções de um futuro imaginado. A partir deste momento, existem as imagens criadas no papel: os desenhos expressam e comunicam pensamentos e percepções.

A visão é o principal canal sensorial por meio dela os indivíduos tomam contato com o mundo. Ela fortalece o ato de desenhar, enquanto desenhar fortalece a visão. Os dados visuais recebidos pelos olhos são processados, filtrados e manipulados pela mente. A mente cria as imagens que se vê, e estas são as imagens que se busca representar no desenho. Para Ching (2001), o ato de desenhar é mais que uma habilidade manual, já que envolve a construção de imagens visuais que estimulam a imaginação, enquanto esta fornece o ímpeto de desenhar.

A atividade de desenhar não se dissocia do que se vê ou se pensa acerca do objeto representado. Não há como desenhar um objeto sem que ele assuma o papel de modelo, ou que seja suficientemente familiar para que se possa recriá-lo de memória ou pela imaginação. A habilidade no desenho deve ser acompanhada pelo conhecimento e pela compreensão do que se deseja representar graficamente.

O ato de desenhar é um processo dinâmico e criativo capaz de exteriorizar a percepção estável e tridimensional do movimento de modo a modificar as imagens que modelam o mundo visual. Segundo Ching (2001), existem três fases no processamento veloz e sofisticado que resulta nas imagens que se vê: a recepção, a extração e a inferência. Os olhos recebem impulsos energéticos em forma de luz, ou de seu reflexo em superfícies iluminadas; a mente extrai as características visuais básicas do estímulo recebido e, com base nas características extraídas, é feita a inferência sobre o que se viu. Esclarece o autor:

Quando olhamos algo, o que vemos é, de fato, construído pela rápida sucessão de imagens retinais interconectadas. Somos capazes de perceber uma imagem estável mesmo enquanto nossos olhos a examinam. O sistema visual, portanto, executa mais que uma simples gravação passiva e mecânica das características visuais do estímulo gráfico. Ele transforma ativamente impressões sensoriais da luz em formas com significado. (CHING, 2001, p.4)

A percepção visual é o processo de busca de modelos formais. A mente usa os impulsos extraídos das imagens formadas na retina como base para o jogo intelectual de fazer suposições sobre o que se experimenta. A percepção visual é uma criação mental. Os olhos não vêem o que a mente não reconhece. Uma figura na mente fundamenta-se não apenas nos impulsos extraídos da imagem que se forma na retina, mas também se estrutura com base em interesses, conhecimentos e experiências que cada pessoa leva ao ato de ver. O ambiente cultural também modifica a percepção e ensina a interpretar os fenômenos visuais. A percepção visual e o raciocínio espacial são elementos indispensáveis ao Desenho Técnico, que tem como característica a síntese das idéias espaciais representadas tecnicamente.

O Desenho Técnico exige, além da compreensão de seus temas próprios - a geometria descritiva, as normas técnicas de representação gráfica, o apuro técnico, a precisão e a organização –, uma percepção visual apurada, que irá colaborar para a construção do raciocínio espacial.
As imagens que surgem na mente são normalmente nebulosas, curtas e demasiado enganosas, mesmo quando vívidas e claras, podendo vir à mente e desaparecer de maneira repentina. As imagens podem se perder facilmente no esquecimento e ser substituídas por outras no fluxo da consciência, a menos que sejam capturadas em um desenho.

O ato de desenhar é, para Ching (2001), a natural e necessária extensão do pensamento visual. À medida que a imagem mental guia o movimento dos olhos e da mão no papel, o desenho que emerge, simultaneamente, funde-se à imagem em nossa mente.

O desenho é um meio de expressão que influencia o pensamento tanto quanto o pensamento dirige o desenho. Esquematizar uma idéia no papel permite explorá-la e torná-la clara da mesma forma como é formado e ordenado um pensamento, transformando-o em palavras. O processo de tornar os pensamentos concretos e visíveis permite, também, atuar sobre eles. Pode-se analisá-los, vê-los sob nova ótica, combiná-los de diferentes maneiras e transformá-los em novas idéias. Assim, o desenho, usado desta maneira, estimula a imaginação e a criatividade.

Referências Bibliográficas

CHING, F. D. K.; JUROSZEK P. Representação Gráfica para Desenho e Projeto. Barcelona: Gustavo Gili, 2001
MONTENEGRO, G. A. Geometria Descritiva. 1ª Edição. 1ª Reimpressão. São Paulo: Edgar Blücher, 2002.